quinta-feira, 2 de julho de 2020

TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA, de Lima Barreto


TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA (fragmento I)

A Lição de Violão

Como de hábito, Policarpo Quaresma, mais conhecido por Major Quaresma, bateu em casa às quatro e quinze da tarde. Havia mais de vinte anos que isso acontecia. Saindo do Arsenal de Guerra, onde era subsecretário, bongava pelas confeitarias algumas frutas, comprava um queijo, às vezes, e sempre o pão da padaria francesa.
Não gastava nesses passos nem mesmo uma hora, de forma que, às três e quarenta, por aí assim, tomava o bonde, sem erro de um minuto, ia pisar a soleira da porta de sua casa, numa rua afastada de São Januário, bem exatamente às quatro e quinze, como se fosse a aparição de um astro, um eclipse, enfim um fenômeno matematicamente determinado, previsto e predito.
A vizinhança já lhe conhecia os hábitos e tanto que, na casa do Capitão Cláudio, onde era costume jantar-se aí pelas quatro e meia, logo que o viam passar, a dona gritava à criada: "Alice, olha que são horas; o Major Quaresma já passou."
E era assim todos os dias, há quase trinta anos. Vivendo em casa própria e tendo outros rendimentos além do seu ordenado, o Major Quaresma podia levar um trem de vida superior aos seus recursos burocráticos, gozando, por parte da vizinhança, da consideração e respeito de homem abastado.
Não recebia ninguém, vivia num isolamento monacal, embora fosse cortês com os vizinhos que o julgavam esquisito e misantropo. Se não tinha amigos na redondeza, não tinha inimigos, e a única desafeição que merecera fora a do Doutor Segadas, um clínico afamado no lugar, que não podia admitir que Quaresma tivesse livros: "Se não era formado, para quê? Pedantismo!"
[...]

Vocabulário
bongar
- procurar, buscar.
um trem de - expressão popular com função de advérbio de intensidade.
abastado -que possui vários bens; que tem dinheiro em excesso; rico ou endinheirado.
monacal - de monge.
misantropo - solitário, que tem aversão à vida em sociedade.
pedantismo - modo de proceder de quem é pretensioso, de quem mostra qualidades superiores às que realmente possui.

01. Policarpo Quaresma é caracterizado como um homem metódico, ou seja, uma pessoa regrada e que costuma seguir uma rotina predefinida, alguém que faz as coisas de maneira ordenada, seguindo uma regularidade. São trechos do texto que nos revelam isso, EXCETO 
a) "Como de hábito, Policarpo Quaresma, mais conhecido por Major Quaresma, bateu em casa às quatro e quinze da tarde."
b) "...de forma que, às três e quarenta, por aí assim, tomava o bonde, sem erro de um minuto..."
c) "Se não tinha amigos na redondeza, não tinha inimigos, e a única desafeição que merecera fora a do Doutor Segadas..."
d) " Saindo do Arsenal de Guerra, onde era subsecretário, bongava pelas confeitarias algumas frutas, comprava um queijo, às vezes, e sempre o pão da padaria francesa."

02. No trecho, o narrador compara Quaresma com "a aparição de um astro, um eclipse", isso porque 
a) ele chamava atenção quando aparecia.
b) uma aparição sua era rara.
c) sua aparição acontecia de tempos em tempos.
d) sua aparição podia ser previsível.

03. "Alice, olha que são horas; o Major Quaresma já passou". A fala da personagem revela
a) as pessoas da vizinhança usavam a rotina de Quaresma como referência de horas.
b) que a vizinhança gostava de fazer fofoca sobre a vida de Quaresma.
c) que Quaresma tinha fama de não ser pontual.
d) que Quaresma passou antes da hora esperada.

04. De acordo com o trecho, o Major quaresma era 
a) uma pessoa que esbanjava dinheiro por ter outros rendimentos além do ordenado.
b) considerado e respeitado pelos vizinhos por ser um homem abastado.
c) uma pessoa preocupada em aumentar suas posses para ter a consideração dos vizinhos.
d) considerado e respeitado pelos vizinhos por ser alguém muito cortês.

05. O trecho da obra apresenta indícios de preconceito por parte do doutor Segadas que não admitia que Quaresma se interessasse por livros já que não era formado. Que tipo de preconceito percebemos nessa situação
a) religioso
b) racial
c) de gênero
d) social

TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA (fragmento II)
[...]
Logo aos dezoito anos quis fazer-se militar; mas a junta de saúde julgou-o incapaz. Desgostou-se, sofreu, mas não maldisse a Pátria. O ministério era liberal, ele se fez conservador e continuou mais do que nunca a amar a "terra que o viu nascer". Impossibilitado de evoluir-se sob os dourados do Exército, procurou a administração e dos seus ramos escolheu o militar.
Era onde estava bem. No meio de soldados, de canhões, de veteranos, de papelada inçada de quilos de pólvora, de nomes de fuzis e termos técnicos de artilharia, aspirava diariamente aquele hálito de guerra, de bravura, de vitória, de triunfo, que é bem o hálito da Pátria.
Durante os lazeres burocráticos, estudou, mas estudou a Pátria, nas suas riquezas naturais, na sua história, na sua geografia, na sua literatura e na sua política. Quaresma sabia as espécies de minerais, vegetais e animais, que o Brasil continha; sabia o valor do ouro, dos diamantes exportados por Minas, as guerras holandesas, as batalhas do Paraguai, as nascentes e o curso de todos os rios. Defendia com azedume e paixão a proeminência do Amazonas sobre todos os demais rios do mundo. Para isso ia até ao crime de amputar alguns quilômetros ao Nilo e era com este rival do "seu" rio que ele mais implicava. Ai de quem o citasse na sua frente! Em geral, calmo e delicado, o major ficava agitado e malcriado, quando se discutia a extensão do Amazonas em face da do Nilo.
Havia um ano a esta parte que se dedicava ao tupi-guarani. Todas as manhãs, antes que a "Aurora, com seus dedos rosados abrisse caminho ao louro Febo", ele se atracava até ao almoço com o Montoya, Arte y diccionario de la lengua guaraní ó más bien tupí, e estudava o jargão caboclo com afinco e paixão. Na repartição, os pequenos empregados, amanuenses e escreventes, tendo notícia desse estudo do idioma tupiniquim, deram não se sabe por que em chamá-lo - Ubirajara. Certa vez, o escrevente Azevedo, ao assinar o ponto, distraído, sem reparar quem lhe estava às costas, disse em tom chocarreiro: "Você já viu que hoje o Ubirajara está tardando?"
Quaresma era considerado no Arsenal: a sua idade, a sua ilustração, a modéstia e honestidade de seu viver impunham-no ao respeito de todos.
Sentindo que a alcunha lhe era dirigida, não perdeu a dignidade, não prorrompeu em doestos e insultos. Endireitou-se, concentrou o pince-nez, levantou o dedo indicador no ar e respondeu:
- Senhor Azevedo, não seja leviano. Não queira levar ao ridículo aqueles que trabalham em silêncio, para a grandeza e a emancipação da Pátria.
[...]

Vocabulário
inçada
- coberta por, cheia de.
jargão - linguagem restrita a determinado grupo profissional ou social; gíria.
afinco - obstinação; ação de fixar uma ideia no pensamento para tentar alcançá-la; perseverança.
amanuense - escrevente, copista.
chocarreiro - aquele que diz gracejos atrevidos.
alcunha – apelido.
prorromper - começar de maneira impetuosa (com ímpeto); irromper: cheio de raiva, prorrompeu em berros;
doestos - insultos, injúrias.
pince-nez - óculos sem haste.
leviano - que julga por antecipação ou sem refletir sobre o que diz.
emancipação - ação de ser ou de se tornar independente, livre; independência

06. Ao não ser admitido como militar, Quaresma 
a) revoltou-se contra as Forças Armadas.
b) amaldiçoou a Pátria.
c) entrou para a administração pública militar.
d) prometeu nunca mais amar a "terra que o viu nascer".

07. De acordo com o trecho, Quaresma se interessava por tudo que se relacionava a Pátria pois 
a) era um nacionalista que amava a Pátria.
b) pretendia dar um golpe no Ministério.
c) queria vingar-se por não ser militar.
d) não desistira de fazer parte do exército.

08. O grande interesse de Quaresma pelas coisas da Pátria fazia com que as pessoas 
a) o ridicularizassem.
b) o admirassem.
c) o questionassem.
d) o reprovassem.

09. Quaresma foi apelidado de Ubirajara pelos colegas da repartição pois 
a) parecia-se com um índio.
b) estudava o idioma tupiniquim.
c) gostava de um livro que tinha esse título.
d) era a tradução do seu nome em tupi.
Triste Fim de Policarpo Quaresma (fragmento III)

O trecho a seguir refere-se ao requerimento feito por Policarpo Quaresma ao governo nacional.

Policarpo Quaresma, cidadão brasileiro, funcionário público, certo de que a língua portuguesa é emprestada ao Brasil; certo também de que, por esse fato, o falar e o escrever em geral, sobretudo no campo das letras, se veem na humilhante contingência de sofrer continuamente censuras ásperas dos proprietários da língua; sabendo, além, que dentro do nosso país, os autores e os escritores, com especialidade os gramáticos, não se entendem no tocante à correção gramatical, vendo-se, diariamente, surgir azedas polêmicas entre os mais profundos estudiosos do nosso idioma – usando do direito que lhe confere a Constituição, vem pedir que o Congresso Nacional decrete o Tupi-Guarani como língua oficial e nacional do povo brasileiro.
O suplicante, deixando de parte os argumentos históricos que militam em favor de sua ideia, pede vênia para lembrar que a língua é a mais alta manifestação da inteligência de um povo, é a sua criação mais viva e original; e, portanto, a emancipação idiomática.
Demais, Senhores Congressistas, o Tupi-Guarani, língua originalíssima, aglutinante, é verdade, mas que o polissintetismo dá múltiplas feições de riqueza, é a única capaz de traduzir as nossas belezas, de pôr-nos em relação com a nossa natureza e adaptar-se perfeitamente aos nossos órgãos vocais e cerebrais, por ser criação de povos que aqui viveram e ainda vivem, portanto possuidores da organização fisiológica e psicológica para que tendemos, evitando-se dessa forma as estéreis controvérsias gramaticais, oriundas de uma difícil adaptação de uma língua de uma outra região à nossa organização cerebral e ao nosso aparelho vocal – controvérsias que tanto empecem o progresso da nossa cultura literária, científica e filosófica.
Seguro de que a sabedoria dos legisladores saberá encontrar meios para realizar semelhante medida e cônscio de que a Câmara e o Senado pesarão o seu alcance e utilidade.
P. e E. Deferimento.

Vocabulário
contingência
- possibilidade, probabilidade.
censuras - recriminações, repreensões.
vênia - permissão, consentimento.
emancipação - independência.
aglutinante - que junta, reúne, cola.
polissintetismo - Reunião de muitas partes em uma só.
controvérsias - Que pode ocasionar uma discussão; opiniões distintas acerca de uma ação.
empecer - ocasionar dano(s) ou prejuízo(s) a; prejudicar.
cônscio - que tem conhecimento; que sabe muito bem aquilo que faz; consciente, ciente.
pesar - Analisar com cuidado e atenção; ponderar.

10. Qual a solicitação feita por Policarpo quaresma em seu requerimento? 
a) que o governo acabe com a polêmica existente entre os estudiosos da língua nacional.
b) que o tupi-guarani seja decretada como língua oficial e nacional do povo brasileiro.
c) a proibição do uso da língua tupi-guarani pelos descendentes dos povos que viviam no Brasil no período da descoberta.
d) a proibição do uso da língua portuguesa pelos autores e escritores que não se entendem no tocante à correção gramatical.


GABARITO
01.C - 02.D - 03.A - 04.B - 05.D - 06.C - 07.A - 08.A - 09.B - 10.B

Caso deseje publicar a atividade produzida por mim em algum blog, favor adicionar um link, com meu nome e/ou do blog onde a atividade foi publicada originalmente. Já tive a desagradável surpresa de ver algumas atividades desse blog reproduzidas em outros sem qualquer referência.













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